De Francisco a Brennand propõe uma breve incursão pelas identidades criativas desse artista, que ao longo de sua trajetória dedicou-se a uma produção sempre diversa, marcada pela inquietação de quem se defronta com os mistérios da vida humana. Os campos por onde atuou e os adjetivos que qualificam seu fazer parecem não ser suficientes para definir o lastro construído por sua obra. O próprio artista, no curso de sua trajetória, inventou para si distintos modos de assinar. Seja como Francisco Brennand; Brennand; pelas iniciais F.B., Br.; ou pelo uso de insígnias, a forma como se identificava não delimitava seu escopo inventor, mas evidenciava sua incessante busca por outras e novas fabulações.


Espaço de pesquisa, reflexão e produção do artista Francisco Brennand, a Oficina Brennand constituiu-se como seu ateliê e obra em constante processo. Aqui, o artista dedicou-se obstinadamente à realização de seus múltiplos universos, num exercício de criação que tinha a pintura como uma de suas linguagens de predileção, mas que incorporou desenhos, gravuras, arte mural, escrita, além de seu incontornável e único fazer escultórico em cerâmica, certamente um dos aspectos mais conhecidos de seu trabalho.


Seu vocabulário de formas, cores e escalas deu vazão a uma profusão de obras que versam sobre nascimento e morte, natureza, beleza e horror, mitologias, construções e ruínas, histórias sociais, sempre caracterizadas pelas instâncias oníricas. No dia 11 de novembro de 1971, quando chegou à Várzea para se instalar nestes espaços que outrora abrigaram a olaria de seu pai, tomou nota em seu diário pessoal: “Sinto no ar, na sombria atmosfera destes enormes galpões semidestruídos, que algo está acontecendo, ou na iminência de acontecer. Na penumbra dos corredores, fecho os olhos e aguardo o sonho…”


Quase cinco décadas de quimeras e trabalhos depois, em setembro de 2019, a Oficina Brennand foi transformada num instituto cultural sem fins lucrativos. É quando se inicia um amplo e profundo processo de reorganização institucional, que repensa sua vocação e estrutura programática, visando preservar o legado do artista e ampliar as leituras e atravessamentos presentes em sua produção. Esse era um desejo manifesto de Francisco Brennand, que três meses depois desse importante passo, em dezembro do mesmo ano, viria a falecer.


Tal como a própria Oficina Brennand, que se desenvolve processualmente, a exposição De Francisco a Brennand não pretende encerrar uma tese ou cercar argumentos em torno da múltipla obra desse artista. Busca, outrossim, compreender as potencialidades do seu acervo e as possibilidades dos espaços expositivos, de modo a abrir caminhos para apresentar o legado deixado por um dos mais importantes artistas brasileiros.


Aqui, revelam-se alguns dos processos e reflexões que conectam a prática do escultor à do pintor. Nesse contexto são apresentados desenhos, estudos e pinturas realizados preliminarmente à execução das esculturas, em diálogo próximo com as mesmas. Essa relação confere às esculturas um novo estatuto, permitindo compreender não apenas os tons e formas que dão origem à obra como também o componente imprevisível do fogo, agente criador junto com o artista. Nas palavras do artista: “Quando eu pinto, eu sou um ocidental. Quando eu faço cerâmica, eu não tenho absolutamente nenhuma pátria, a minha pátria é esse abismo pelo qual eu vou descendo, sem saber o que vou encontrar no fundo. Quando você trabalha com o barro, você está trabalhando com um dos quatro elementos, a terra, do qual você é feito. Nesse momento você é enfeitiçado e deve se deixar levar.”


São apresentados nesta exposição processos e estudos antecipatórios de trabalhos de grandes dimensões realizados fora da Oficina, como os desenhos preliminares dos painéis da Batalha dos Guararapes, mural de 33 metros realizado em 1962 e que atualmente está localizado na Rua das Flores, centro do Recife, além do painel do edifício Bacardi, prédio icônico da arquitetura americana, reformado em 2009 pelo arquiteto Frank Gehry e atualmente ocupado pelo National Young Arts Center em Miami, EUA.


De Francisco a Brennand traz a público, ainda, obras poucas vezes apresentadas, como um recorte da série de desenhos de figurino realizada para o filme A Compadecida de 1969, dirigido por George Jonas e com roteiro de Ariano Suassuna, amigo e parceiro criativo de Brennand. Nesta ocasião, são exibidos também ilustrações da série Paulo Freire, feitas para compor as cartilhas do importante educador, que sobreviveram à apreensão pelo regime militar.


Em 2021, a Oficina Brennand completou 50 anos. Com esta mostra, esperamos ampliar as possibilidades de leitura e compreensão da obra de Francisco Brennand. Ela também se insere num conjunto de ações que renova os propósitos de invenção e diversidade que marcam este projeto desde seu nascedouro, expandindo sua vocação a outras e novas existências artísticas e culturais. “Não interrompam este sonho”, diz Francisco Brennand numa inscrição gravada em matéria cerâmica, instalada permanentemente na Oficina.