Cosmo/Chão é o céu que bate na terra e a terra que nos conecta com o céu. É o arco, a equivalência e o reflexo de uma coisa na outra. É o que está embaixo, assim como o que está em cima. É o firmamento, o solo, os círculos e os fios de ligação.

Pensada a partir de diálogos entre a obra de Francisco Brennand e as de outros artistas, a exposição faz uma costura de dois fundamentos de seu trabalho. O primeiro é a prática escultórica no campo expandido — que não se limita às figuras contidas em pedestais e nem mesmo à objetualidade. O segundo é o conceito de território, levando em conta dinâmicas que agregam e organizam a vivência geográfica, bem como vínculos sociais e espirituais que vão além do terreno e atravessam diferentes dimensões.

A prática da escultura, historicamente ligada às tradições clássicas e suas concepções de forma, espaço e monumentalidade, tem sido repensada e ampliada em sua definição e seu escopo de atuação, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Das figuras cotidianas e formas espirituais de inúmeras culturas milenares até as estátuas de mármore e bronze da Antiguidade Greco-Romana, a escultura sempre foi uma ferramenta de mediação entre o tangível e o imaginado. Entretanto, no rasgo aberto pela Modernidade, e em especial nas revisões críticas e experimentais feitas pelas práticas contemporâneas, sua função e materialidade passaram por rupturas profundas. Movimentos artísticos começaram a interrogar os limites do objeto, transcendendo o corpo físico em direção a um campo no qual a escultura dialoga com o tempo, o entorno e o corpo do espectador. Essa redefinição envolve, ainda, novos entendimentos sobre as práticas ancestrais, em que o fazer escultórico emerge como um processo simbólico e também utilitário, vinculado tanto ao cotidiano quanto às forças invisíveis do mundo. Hoje, a escultura pode ser vista como uma forma de pensamento, uma estrutura que incorpora conceitos, narrativas, rituais e relações e desafia os limites tradicionais da arte, propondo novas formas de ser e estar no mundo.

A ideia de território, compreendida de modo mais restrito como uma delimitação geopolítica, é também uma construção cultural. O território é, portanto, onde se desenvolvem os modos de vida, as formas de organização coletiva, os laços com a natureza e a espiritualidade. Um circuito de forças que opera nos níveis do imaginário e do transcendental, configurando-se não apenas pela ocupação física, mas por energias ancestrais e sistemas simbólicos. Um lugar de partilha em que diferentes potencialidades e disputas narrativas se encontram e se reconfiguram. Desse modo, o território não deve ser entendido apenas como o solo sobre o qual se pisa, e sim como o espaço que aterra identidades, afetos, sonhos e projetos comuns. As coreografias comunitárias que nele se manifestam são moldadas por experiências de imaginação, conectando o tangível ao intangível, o presente ao passado e ao futuro, a terra ao cosmos.

Nesse enlace, o projeto reúne artistas de diversos contextos, técnicas e poéticas para abordar a escultura como exercício de conexão territorial. A prática escultórica surge, portanto, para falar não só do corpo material, físico, mas também dele como significante identitário, em suas dimensões espaciais ou etéreas. Assim, podemos pensar em pelo menos três chaves de compreensão — que muitas vezes se justapõem — para nos aproximar das obras reunidas. Há as práticas coletivas, permeadas por trabalhos intrínsecos às comunidades e aos grupos em que são feitos. Essas obras são resultados e conduítes das tradições e saberes compartilhados, sobretudo pensando a escultura como agenciamento de processos e autorias não individuais. Depois, as práticas contextuais, que estão implicadas com os lugares, suas histórias, culturas e materialidades, e que elaboram a realidade refletindo ou agindo diretamente no meio em que estão inseridas. E, por fim, emergem as práticas fabulares, das quais se originam obras que incorporam ou representam ideias, visões e imaginações de mundos, e nas quais o potencial narrativo da escultura é acionado para ficcionalizar, dar sentido e materializar outros espaços e histórias.

Cosmo/Chão cria uma ideia — tão definida quanto aberta — para evocar os mistérios do solo que conecta os seres e que confere a eles pertencimento; para falar dos emaranhados da arena relacional; e para aspirar ao que transcende o plano físico, abraçando o imaterial. Cosmo/Chão é a ideia que desce para tomar forma terrena; e é o chão que sobe, ganhando corpo. É o infinito num punhado de terra. É a incorporação do todo em um contorno.

Germano Dushá e Gleyce Kelly Heitor