CONJUNÇÕES DE CALOR
Por Rita Vênus, curadora


Nesta primeira edição da residência Criação na Olaria, os artistas Fykyá Pankararu (PE) e Jorge dos Anjos (MG) foram convidados a desenvolver os seus projetos, ao longo de seis semanas, integrando-se à rotina desta fábrica de cerâmica que, desde a década de 1970, é lugar de ofício de mestres oleiros e aprendizes colaboradores do artista Francisco Brennand (1927-2019). Juntos, ao longo dos anos, eles experimentaram e criaram saberes e técnicas próprias da mistura, da modelagem, dos esmaltes, da pintura e da queima do barro. Enquanto Francisco esteve presente, esses processos foram conduzidos pelo próprio artista. Agora, com uma equipe que dá seguimento ao seu legado artístico nas peças utilitárias e decorativas, a Oficina reabre as portas dos seus espaços de produção (Olaria, Decoração e Serralharia), para que outros artistas possam conviver, criar e aprender mutuamente junto a esses mestres.

Reaquecendo a cerâmica em braseiro, a obra de Jorge dos Anjos dá continuidade às suas práticas de gravadura, incorporando o elemento cerâmico em conjunção ao ferro e ao fogo, criando objetos que, antes mesmo de seu caráter de obra, têm a utilidade de ferramentas que conduzem calor em marcações sobre o feltro de lã de carneiro. Nas suas formas, o artista reúne desenhos para cobogós criados por Helcir Almeida, o mais antigo funcionário da Oficina, e extensões metálicas feitas por Edmilson da Silva, serralheiro, e amalgamadas por formações como serpentes, muito próprias a este lugar, bem como às simbologias dos orixás que sempre compuseram a poética de Jorge.

Já mirando o céu e a disposição dos corpos celestes em conjunção no Cinturão de Órion, Fykyá Pankararu levanta, em barro, quatro seres encantados do seu povo para a criação de um museu a céu aberto no território Pankararu, no sertão de Pernambuco. São eles: a Mãe D’água, a ser posicionada na aldeia Brejo; o Menino do Rancho, ser que se aproxima da forma humana e que ocupará a aldeia Caldeirão, uma das mais áridas de Pankararu; e os Praiás, encantados do ar. Um desses Praiás vai ocupar a aldeia Agreste, pico mais alto e ventilado do território; outro ganhará firmação junto à muda de Imburana, plantada na Oficina, em 2023, pelo artista Edson Barrus.

Os estados de conjunções mediadas, em grande parte, pelo aquecimento dos fornos e do braseiro — e da fumaça do campiô — parecem ter desenhado as aproximações nesta permanência. Num ajuntamento total dos corpos, e também na tentativa resvalada de avizinhá-los, é que os saberes se multiplicam e podem, assim, se coabitarem, resultando numa contaminação viva de calor, conjunções físicas elementais que só o fogo sabe como encantá-las.



Criação na Olaria:

Curadoria

Rita Vênus

Artistas residentes

Fykyá Pankararu
Jorge dos Anjos

Olaria e Decoração
Aldair Barbosa (coordenação), Ailton da Silva, Claudemir Brandão, Eliane Gomes, Emerson dos Santos, Gabriel Andrade, Isaías Ferreira, Nilson dos Santos, José Santana, Kayo Cardoso, Leonardo da Silva, Lucas de Santana, Luís Carlos de Melo, Moisés Dias, Rafael Câmara, Raimundo Nonato, Sergio Vieira, Tiago de Andrade.

Serralheria
Edmilson da Silva


Coordenação de Produção
Adah Lisboa

Fotos e vídeos
Chico Ludermir

Ensaio comissionado
Ariana Nuala

Assessoria de Comunicação
Dupla Comunicação